Aconteceu
no ano de 1991, quando estava na quarta série do primeiro grau. Hoje talvez
fosse diagnosticado algum transtorno de aprendizagem. Mas naquele tempo não se
falava nestas coisas, principalmente numa escola do interior de Rio Grande do
Sul. Quem não conseguia aprender era considerado burro mesmo.
A escola
para mim passou a simbolizar sofrimento, a cada prova, cada matéria nova a
sensação derrota aumentava. Por não saber direito o que acontecia comigo cheguei
pedir para meu pai para me tirar da escola, nem que precisasse trabalhar
pesado. Mas pai rude, criado na roça, não entende sofrimento de menino de oito
anos, acha que é birra. "Não quer estudar? preguiçoso". Dizia ele.
Mas foi
justamente num dia de prova de matemática que tudo mudou. Quando a professora
entrou na sala com as folhas da prova cheirando a matriz do mimeógrafo, o
coração já começou a bater mais rapidamente antecipando o fracasso. "Guardem os materiais, apenas lápis e
borracha sobre a mesa". Mãos suadas e olhos piscando nervosamente, tique
herdado de minha mãe. A professora entrega as provas, todos começam resolver,
escrevo o nome e quando tento entender os exercícios parece que os números se
embaralham no papel. Passo os olhos pela folha procurando uma questão mais
fácil, não há. Distraio-me olhando pela janela, penso no meu gato que deve
estar dormindo tranquilo, em minha vó ao redor do fogão a lenha fazendo crochê.
Porque só minha vida é difícil? Só volto à realidade quando ouço barulho dos
colegas que se levantam para entregar. Olho para minha prova em branco e começo
a chorar.
Alguns
alunos olham com cara de pena outros ficam rindo. Não sei qual das duas
atitudes me deixa mais humilhado. A professora vem até minha mesa e pergunta por
que estou chorando. Gostaria de ter dito que não aguentava mais a escola, nem aqueles
cálculos, os colegas me olhando, queria sumir dali para sempre. Mas o máximo
que saiu foi: "não consigo fazer nada".
Então ela
levou-me até sua mesa, me fez sentar no seu colo e resolveu calmamente toda a
prova comigo. Disse que eu era muito inteligente, mas por não acreditar nisso
não conseguia aprender. Depois chamou minha mãe para conversar, passou aulas de
reforço no turno da tarde. Naquele ano comecei a gostar da escola.
Se ainda
estiver viva talvez a professora Gelci nem se lembre do aluno que chorou,
talvez aquele tenha sido apenas mais um dia normal na vida alguém que para ser
professora se transformava em psicóloga, mãe, conselheira, pedagoga. E para
mim, anjo.