quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Professora Gelci

Aconteceu no ano de 1991, quando estava na quarta série do primeiro grau. Hoje talvez fosse diagnosticado algum transtorno de aprendizagem. Mas naquele tempo não se falava nestas coisas, principalmente numa escola do interior de Rio Grande do Sul. Quem não conseguia aprender era considerado burro mesmo.
A escola para mim passou a simbolizar sofrimento, a cada prova, cada matéria nova a sensação derrota aumentava. Por não saber direito o que acontecia comigo cheguei pedir para meu pai para me tirar da escola, nem que precisasse trabalhar pesado. Mas pai rude, criado na roça, não entende sofrimento de menino de oito anos, acha que é birra. "Não quer estudar? preguiçoso". Dizia ele.
Mas foi justamente num dia de prova de matemática que tudo mudou. Quando a professora entrou na sala com as folhas da prova cheirando a matriz do mimeógrafo, o coração já começou a bater mais rapidamente antecipando o fracasso.   "Guardem os materiais, apenas lápis e borracha sobre a mesa". Mãos suadas e olhos piscando nervosamente, tique herdado de minha mãe. A professora entrega as provas, todos começam resolver, escrevo o nome e quando tento entender os exercícios parece que os números se embaralham no papel. Passo os olhos pela folha procurando uma questão mais fácil, não há. Distraio-me olhando pela janela, penso no meu gato que deve estar dormindo tranquilo, em minha vó ao redor do fogão a lenha fazendo crochê. Porque só minha vida é difícil? Só volto à realidade quando ouço barulho dos colegas que se levantam para entregar. Olho para minha prova em branco e começo a chorar.
Alguns alunos olham com cara de pena outros ficam rindo. Não sei qual das duas atitudes me deixa mais humilhado. A professora vem até minha mesa e pergunta por que estou chorando. Gostaria de ter dito que não aguentava mais a escola, nem aqueles cálculos, os colegas me olhando, queria sumir dali para sempre. Mas o máximo que saiu foi: "não consigo fazer nada".
Então ela levou-me até sua mesa, me fez sentar no seu colo e resolveu calmamente toda a prova comigo. Disse que eu era muito inteligente, mas por não acreditar nisso não conseguia aprender. Depois chamou minha mãe para conversar, passou aulas de reforço no turno da tarde. Naquele ano comecei a gostar da escola.

Se ainda estiver viva talvez a professora Gelci nem se lembre do aluno que chorou, talvez aquele tenha sido apenas mais um dia normal na vida alguém que para ser professora se transformava em psicóloga, mãe, conselheira, pedagoga. E para mim, anjo.